quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Fogo

Numa noite fria do mês de Novembro de ’95 jazia deitada na cama fria e desconfortável em que dormia todas as noites desde que os meus pais haviam falecido.

Apesar de desagradável, aquela cama nunca me dera tal segurança como naquela noite. O potente som da trovoada fazia-me esconder debaixo dos lençóis como um coelho dentro da sua toca.

Por cima de mim, na cama de cima do beliche, a minha irmã assistia, sentada, olhando pela janela, ao espetáculo que a mim tanto me atemorizava.

Virei-me para a parede e fechei os olhos com força para evitar ver a luz emitida pelos relâmpagos constantes. Momentos depois, quando já quase conseguia adormecer, ouvi um som; sentei-me. Era Eleanor, a minha irmã, que descia devagar os degraus desde a sua cama até ao chão. Perguntei-lhe:

- Onde pensas que vais?!

Não me respondeu, em vez disso correu descalça pela escada até ao piso térreo. Levantei-me sobressaltada e segui-a a correr. Desci as escadas em saltos e ainda vi a velha porta branca fechar-se atrás da pressa dela. Persegui-a.

De frente com a velha em que então vivíamos com os nossos tios erguia-se um velho celeiro feito de madeira pintada de um vermelho desbotado. Eu e Eleanor costumávamos ir para lá brincar pois tinha muitos lugares onde nos podíamos esconder.

Vi-a empurrar a pesada porta e entrar dentro do celeiro escuro; segui-a. Entrei e estaquei (recuperando o fôlego) perante a escuridão profunda apenas interrompida pela luz proveniente dos relâmpagos, tremia de medo. Respirei fundo e gritei com uma voz algo trémula:

- Eli! Onde estás?!

Um fardo a cair e uma risadinha. Segui o som.

Encontrei-a no andar de cima, escondida num labirinto de palha, sentada no chão com a sua boneca preferida no colo, olhando a tempestade através duma janela. Repreendi-a e corri até ela sentando-me ao seu lado.

- Não devíamos estar aqui Eli! Com uma tempestade destas é muito perigoso!

Conforme proferi a última palavra, um enorme estrondo se ouviu dentro do velho e frágil celeiro. Alguns segundos após o estrondo que pôs os nossos corações a baterem como loucos (ouvia-se ainda o seu eco) ouvimos pequenos ruídos crepitantes. Debrucei-me sobre o parapeito e vi chamas a começar a consumir a palha armazenada; gritei. Ordenei à minha irmã que se levantasse, ela olhou-me com desdém, permaneceu imóvel. Gritei-lhe novamente acrescentando desta vez que o celeiro se tinha incendiado quando um relâmpago o atingira.

Foi então que na sua pequena face se desenhou um sorriso, (imagem que nunca irei esquecer) e esta permaneceu sentada. Então, pasmada, peguei-lhe ao colo juntando todas as minhas forças, e corri descendo as escadas.

De repente senti que ela me mordia o ombro. Larguei-a com a dor, um fardo em chamas caiu entre nós, seguido de uma enorme trave de madeira. Assustada corri para a porta do celeiro abrindo caminho afastando os obstáculos. Em lágrimas, abri a velha e pesada porta com dificuldade, fechei-a com estrondo e saí. Corri, tossindo, desviando-me da construção que agora parecia um fósforo gigante.

Segundos depois, o celeiro dos meus tios desmoronou-se como um castelo de cartas em chamas, sobre o local onde estivera apenas algumas frações de segundo antes. E o fogo dominou a minha visão durante horas, horas em que permaneci sentada no chão, tão imóvel quanto Eleanor. Eleanor, minha irmã, levada pelo Fogo.

*baseado em factos reais*